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Capas-Venezuela

Por Albert Caballé Marimón

Muito se tem especulado sobre a situação política, econômica, social e de defesa da Venezuela. A deterioração das condições econômicas do país geraram ondas de refugiados chegando a nossa fronteira, uma região de poucos recursos e despreparada para receber um grande volume de pessoas. Em paralelo, Nicolás Maduro, cujo governo parece ser cada vez mais instável, vem fazendo declarações no sentido de denunciar supostas conspirações internacionais para remove-lo do poder por parte dos EUA, Colômbia e Brasil.

Ao mesmo tempo, com a queda do governo do PT no Brasil, que dava apoio ao regime de Maduro, e a ascenção ao Palácio do Planalto de Jair Bolsonaro, de posicionamento claramente oposto ao regime bolivariano, a Venezuela vem ficando cada vez mais isolada no continente e, em busca de apoio, vem buscando estreitar relações com parceiros alinhados ideologicamente.

Todo este cenário vem gerando boatos de invasão ora de um lado, ora de outro, teorias a respeito de intervenção externa no país, especulações acerca da capacidade militar da Venezuela, elocubrações sobre instalação de bases militares estrangeiras, supostas invasões de nosso espaço aéreo e muitas outras teorias geralmente alarmistas e sem fundamento real.

Este estudo visa avaliar alguns aspectos da real capacidade militar da Venezuela e suas Forças Armadas Nacionais Bolivarianas, e em especial seu tão temido sistema de defesa anti-aérea, e se há reais motivos para justificar o temor existente em certos círculos, acerca da suposta falta de capacidade do Brasil para fazer frente a uma hipotética ameaça venezuelana.

Este estudo tenta se manter dentro de parâmetros realistas e não há nenhuma intenção de traçar cenários políticos, e menos ainda especular sobre o resultado de supostas invasões ou intervenções na região.

Panorama Econômico

A Venezuela é extremamente dependente da receita da indústria do petróleo, cuja queda de preços vem agravando a crise econômica do país. A incerteza do mercado e o fraco desempenho da PDVSA (estatal petroleira), diminuíram o investimento no setor, resultando em declínio na produção.

Possuidora das maiores reservas de petróleo do mundo, este é o principal produto de exportação e fonte de receitas do país, respondendo por mais de 80% das exportações. Entre 2004 e 2015, a Venezuela faturou 750 bilhões de dólares com o petróleo. O governo usou estas receitas para financiar desde programas sociais até importações de praticamente tudo que era consumido no país.

Em 2007 governo estatizou as atividades de empresas estrangeiras, o que ocasionou batalhas jurídicas ainda em curso. Na estatal PDVSA, além de má gestão e corrupção na direção (com dezenas de ex-funcionários processados e vários diretores presos), não tem havido investimentos em infraestrutura, resultando em queda na produção.

A criação da Petrocaribe, ainda no governo de Hugo Chavez, através da qual a Venezuela fornecia petróleo a preços baixos e com financiamento generoso a países caribenhos ideologicamente alinhados, contribuiu para agravar ainda mais a situação.

Além de todo esse cenário negativo, a partir de 2014 os preços do petróleo caíram significativamente, levando o país ao caos econômico.

Em outras áreas, a produção industrial tem baixo desempenho e o governo depende de importações para atender às necessidades básicas de bens de consumo e alimentos. O país vem passando por uma grave escassez de medicamentos, alimentos e bens de consumo.

Uma das maiores economias do planeta, apesar dos pesares

Numa breve análise, o Brasil segue sendo uma das maiores economias do mundo, e embora esteja se recuperando de uma das recessões mais severas da história do país, o PIB cresceu 1% em 2017, ano em que a economia foi negativamente afetada por vários escândalos de corrupção envolvendo empresas privadas e representantes do governo, culminando na prisão do ex-presidente Lula em abril de 2018.

O país tem uma economia mista com vastos recursos naturais e possui atividade significativa em setores como mineração, manufatura, agricultura e serviços. A indústria de automóveis, aço, petroquímica, computadores, aeronaves e bens de consumo duradouros contabilizam cerca de um terço do PIB. É membro do Mercosul, bloco comercial que inclui Argentina, Paraguai e Uruguai – a participação da Venezuela na organização foi suspensa em 2017.

Indústria de Defesa

Embora exista uma indústria local, a Venezuela não possui uma base industrial de defesa significativa; pelo que foi possível apurar durante este estudo, a principal indústria de defesa local é a CAVIM – Compañia Anónima Venezolana de Indústrias Militares, cuja produção consiste basicamente de explosivos, pistolas, carabinas, munição, rádios táticos e coletes e insumos como botas militares, talheres, cantis, etc. além de serviços relacionados.

A Venezuela possui ainda um estaleiro, a DIANCA – Diques y Astilleros Nacionales C.A., especializado em projeto, desenvolvimento, manutenção, reparo e modificação de estruturas navais, pequenas embarcações e estruturas de aço e alumínio relacionadas.

As iniciativas para aumentar a capacidade interna de produção de armas – fabricação de fuzis de assalto Kalashnikov AK-103 e de um centro de manutenção de helicópteros – vem sendo prejudicadas por corrupção e problemas técnicos, embora a mais recente informação encontrada durante esta análise tenha dado conta de que estejam previstas para 2019.

ABIMDE congrega a indústria no Brasil

No Brasil, Embora os dados de faturamento da indústria de defesa sejam escassos, de acordo a ABIMDE (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança), em 2014 o PIB do complexo de defesa e segurança brasileiro foi de 202 bilhões de reais, equivalentes a 3,7% do PIB nacional.

Estes números mostram que, apesar de ter um longo caminho a percorrer nesta área, o Brasil possui uma base industrial de defesa interessante e relativamente bem desenvolvida, representada por empresas de destaque no setor de alta tecnologia, atuando inclusive com exportação.

O Ministério da Defesa atua na criação de condições para fomentar a base Industrial de defesa do Brasil, tendo implementado uma a PND – Política Nacional de Defesa, que estabelece diretrizes e objetivos conjugando os setores militar e civil. Além do aspecto político e conceitual, a PND aborda também questões estratégicas.

A ABIMDE, a já citada entidade do setor, congrega dezenas de empresas, entre companhias nacionais e subsidiárias de empresas estrangeiras, com atuação em diversas áreas, desde indústria química até desenvolvimento e integração de software o que cobre uma vasta gama de necessidades em defesa.

Embora com algumas incertezas suscitadas pela recente negociação entre a Boeing e Embraer, o programa do caça Gripen segue, com diversas empresas além da Embraer participando da transferência de tecnologia juntamente com a Saab. Na esfera da Marinha, ainda que problemas de contingenciamento de verba tenham afetado o cronograma original, a construção dos submarinos classe Scorpène vem avançando, tendo o primeiro deles, o Riachuelo, tendo sido lançado ao mar no final de 2018. Além disso, segue também o projeto de construção do submarino nuclear, tecnologia extremamente cara e complexa que poucos países detém e cuja transferência é restrita, razão pela qual nesta área o país vem avançando sem apoio externo, o que de certa forma demonstra sua capacidade.

Panorama de Defesa

Venezuela

Segundo o The Military Balance 2018, as capacidades das FANB (Fuerza Armada Nacional Bolivariana) vem se deteriorando por fatores como má administração, corrupção e a péssima situação econômica do País. Como resultado, muitos dos sistemas de armas adquiridos da China e da Rússia apresentam baixos níveis de prontidão, numa combinação de falta de peças de reposição e deficiências de manutenção. O estudo aponta baixos níveis de combustível e suprimentos para operações militares e, além disso, a introdução de equipamentos russos e chineses trouxe algumas dificuldades, uma vez que os operadores e técnicos de manutenção não possuíam experiência nestes sistemas.

O regime venezuelano formou a Milícia Bolivariana com os objetivos de mobilizar politicamente a população, assegurar a segurança interna e atuar em campanhas de guerrilha para o caso de invasão do país. A intenção do regime é de equipar a milícia com armas pesadas e transformá-la numa força capaz de equilibrar a influência das tropas regulares. No entanto, má gestão, falta de recursos e desconfiança do exército tem dificultado este processo. Assim, a Milícia Bolivariana se transformou num agrupamento de unidades com baixo treinamento e disciplina, de valor militar bastante reduzido. Seu principal papel vem sendo na repressão da oposição política.

Brasil

Restrições econômicas levaram o governo a cortar gastos militares nos últimos anos, resultando no cancelamento ou atraso de vários programas. Ainda assim, as entregas iniciais do caça Gripen E/F e do avião cargueiro KC-390 ainda são esperadas para 2019.

A Marinha, apesar das restrições orçamentárias, segue com a licitação das corvetas Tamandaré, lançou ao mar o primeiro submarino do PROSUB, que inicia agora a fase de integração de sistemas e testes, e adquiriu da Royal Navy o porta-helicópteros PHM Atlântico, ex HMS Ocean. O exército também fez compras de oportunidade, incluindo blindados M113, obuseiros autopropulsados M109A5 e aeronaves de transporte Sherpa.

As forças armadas continuam a trabalhar na obtenção de capacidades de Guerra Eletrônica e Defesa Cibernética, além de participar regularmente de exercícios domésticos e internacionais.

Com a recente eleição do presidente Jair Bolsonaro, mais alinhado ao setor militar (ele próprio um capitão da reserva do exército), existe a expectativa que, se não de aumento nos investimentos em defesa, mas numa melhora da atenção aos projetos da área, evitando os constantes contingenciamentos de recursos que ocorreram em governos anteriores.

Indicadores

O Banco Central venezuelano deixou de publicar dados há cerca de três anos, quando a economia do país entrou em colapso; assim, os dados apresentados são estimativas do Fundo Monetário Internacional.

Os dados do PIB mostram claramente a diferença entre as economias de ambos os países (dados do World Economic Outlook do FMI). Embora a Venezuela seja membro da OPEP e detentora das maiores reservas de petróleo do mundo, ela é extremamente dependente desse produto, e a queda nos preços, aliada os já mencionados problemas na estatal PDVSA, contribuíram fortemente para a crise que o país atravessa.

A situação econômica do país reflete-se nos investimentos feitos em defesa. De acordo com dados do SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute), nota-se uma queda acentuada nos investimentos em defesa nos últimos anos na Venezuela.

Apesar dos contingenciamentos sofridos no orçamento de defesa do Brasil, a enorme diferença no PIB de ambos os países se reflete também em suas respectivas capacidades de investimento neste setor.

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Considerações finais

A baixa transparência do regime venezuelano, associada ao fato de que o orçamento militar não é administrado pelo Ministério da Defesa ou pelas FANB, mas por fundos cujos registros não são públicos, é difícil estimar os recursos alocados às forças armadas e a forma como são gastos. Ainda assim, segundo análise publicada no The Military Balance 2018, é possível identificar duas tendências.

A primeira é uma redução na aquisição de novas armas; de acordo com a ONG venezuelana “Control Ciudadano”, o governo reduziu em 90% as compras de armas entre 2013-14 e 2015-16, devido a fatores como a queda nos preços do petróleo e a instabilidade financeira.

A segunda tendência é que, devido o aumento dos protestos contra o governo, houve uma mudança de foco na aquisição de equipamentos, passando de armamento e material para as forças armadas para equipamentos de controle de tumultos e segurança interna.

Por outro lado, de acordo com depoimentos de militares e ex-militares venezuelanos (que por razões obvias permanecem no anonimato), desde a época de implantação do regime bolivariano por Hugo Chavez as forças armadas vem passando por uma gradual substituição de quadros técnicos por outros mais alinhados ideologicamente ao regime. Este movimento teria se acentuado sob o regime de Nicolás Maduro. Como consequência haveria uma redução na capacidade técnica, afetando a manutenção e a operação.

A combinação de diversos fatores – a) declínio econômico; b) mudança no foco de investimento da área militar para a segurança interna; c) redução da capacidade técnica por razões políticas – tornam uma incógnita os níveis operacionais das forças armadas venezuelanas, mas permitem especular, com boa dose de razoabilidade, que seu nível de prontidão não se encontra em seu melhor momento.

Guerras custam dinheiro, muito dinheiro. Mobilizar tropas, invadir – e manter – um território, sustentar uma linha de suprimentos e combustível, garantir a manutenção de equipamentos em campo, entre outras necessidades, e ao mesmo tempo impedir o inimigo de fazer o mesmo, custa muito caro. E a situação econômica da Venezuela não mostra condições de sustentar uma aventura como esta.

No momento em que este material está sendo escrito, está sendo noticiado o que parece ser uma rebelião de um grupo de militares da Guarda Nacional, que teriam atacado um quartel em Caracas, a capital da Venezuela. Apesar de no momento não haver muita clareza nas informações noticiadas, o exército parece ter sido mobilizado e dominado a rebelião, e estão sendo reportados tumultos nas ruas e prisões de populares.

É um fato recorrente na história que ditadores tendem a criar inimigos externos para justificar suas agruras, e há casos em que foram às vias de fato – a invasão das ilhas Falklands/Malvinas pela Argentina em 1982 é um um exemplo. No entanto, na percepção deste autor, se em algum momento Nicolás Maduro teve realmente a intenção de criar um factoide e invadir o Brasil, no intuito de unir sua população em torno de uma causa externa, esse momento já passou. Hoje, a situação de Maduro parece estar por um fio, e o futuro da Venezuela é incerto.

Referências

• Entrevistas com o jornalista Valter Andrade

• ABIMDE – Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança – Pesquisa Cadeia de Valor e Importância Socioeconômica da Indústria de Defesa e Segurança no Brasil – Sumário do Relatório Final – Abril de 2015

• Military Balance 2018 – IISS – Intl. Institute for Strategic Studies

• SIPRI – Stockholm International Peace Research Institute: Military Expenditure Database

• Economic Outlook Database, International Monetary Fund:

• CIA Fact Book: Venezuela e Brasil

• Wikipedia: VenezuelaEconomia da Venezuela e Brasil

• BBC Brasil: Crise na Venezuela: o que levou o país vizinho ao colapso econômico e à maior crise de sua história

• Ministério da Defesa

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