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Albert-VF1 Por Albert Caballé Marimón

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“A Batalha da Jutlândia” por Montague Dawson, óleo sobre tela, 1949.


Talvez devido a Batalha do Somme, com mais de um milhão de mortos, ter ocorrido pouco tempo depois, a Batalha da Jutlândia acabou ficando um pouco esquecida pela História. No entanto, com mais de 6.000 marinheiros britânicos mortos – contra 2.500 alemães – foi o dia mais sangrento da história da Marinha Real.

Considerada a maior batalha naval da Primeira Guerra Mundial, Jutlândia foi o único grande embate de frotas da Inglaterra e da Alemanha. Embora a Marinha Imperial Alemã fosse uma força muito bem preparada na Primeira Guerra Mundial, não era páreo para a Marinha Real, ainda a maior e mais poderosa marinha da época.

Em 1906, os britânicos haviam comissionado o HMS Dreadnought, um couraçado veloz, com grande alcance e sistema de tiro de grande precisão. Seu desenvolvimento foi acompanhado de perto pelas demais potências e, além de contribuir para uma corrida armamentista naval, também trouxe preocupações estratégicas: com novas armas e sistemas de combate sendo desenvolvidos, tornava-se necessário pensar em novas estratégias para garantir sua aplicação mais eficiente em combate.


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Ao mesmo tempo, matemáticos começaram a se interessar pela ciência da guerra naval. O engenheiro britânico Frederick Lanchester estudou a concentração do poder de fogo naval, e sua pesquisa resultou na “lei do N ao quadrado” que, em termos simples, diz que o poder de uma frota não é proporcional ao número de embarcações, mas ao quadrado desse número.

A matemática de Lanchester era sólida: considerando as tecnologias empregadas pela Marinha Real e pela Marinha Alemã, a superioridade numérica pesava mais que a superioridade tecnológica. Com essa pesquisa em mente, John Jellicoe, comandante-em-chefe da Grande Frota, engajou a Frota de Alto Mar Alemã, tecnologicamente superior, mas em menor número.

A Marinha Alemã tinha consciência de que um confronto direto com a Marinha Real era um risco grande demais, por isso mantinha a frota de superfície na retaguarda enquanto os submarinos atuavam para tentar reduzir os números britânicos. Não foram bem sucedidos, e a estratégia foi alterada para tentar dividir a Grande Frota e ataca-la em partes.


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Em janeiro de 1916, o vice-almirante Reinhard Scheer assumiu o posto de comandante-em-chefe da Frota de Alto Mar, e formulou um plano mais agressivo. Em 25 de abril, cruzadores alemães bombardeariam Lowestoft e Great Yarmouth, na Inglaterra, no intuito de atrair parte da frota britânica para o sul, onde a Frota de Alto Mar poderia atacá-la.

O plano foi bem sucedido, pois Jellicoe enviou o 5º Esquadrão de Batalha para o sul da base em Scapa Flow, na Escócia, para reforçar o Esquadrão de Batalha do vice-almirante Sir David Beatty em Rosyth. Scheer queria destruir essa força antes que o restante da Grande Frota, sob comando de Jellicoe, pudesse intervir.

Na realidade, o plano de Scheer era bastante simples. O vice-almirante Franz von Hipper comandaria um grupo de reconhecimento composto por cruzadores de batalha e cruzadores ligeiros, seguindo para o norte de Wilhelmshaven até um ponto na costa norueguesa. Seria seguida a uma distância de 50 milhas pelos esquadrões de batalha da Frota de Alto Mar sob comando de Scheer.


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A ideia era que a presença de um grupo de reconhecimento tão distante de sua base atraísse parte da Grande Frota para um ataque. Os esquadrões de batalha de Scheer então fechariam o cerco e destruiriam os britânicos. Na tarde de 30 de maio de 1916, a Frota de Alto Mar recebeu ordens para levar esse plano adiante.

Infelizmente para os alemães, a ordem foi interceptada por uma estação de escuta britânica conhecida como Sala 40 e, embora sem todos os detalhes, ficou claro que ia ocorrer uma grande movimentação da Frota de Alto Mar.

Jellicoe foi informado, e na manhã do dia 31, antes mesmo do grupo de reconhecimento alemão zarpar, a Grande Frota Britânica estava no mar, com a força de Jellicoe encontrando a de Beatty próximo ao Skagerrak, exatamente na rota planejada pela frota alemã.

Hipper zarpou com seu grupo à 1 hora da manhã de 31 de maio, à frente de uma frota de 100 navios e 45 mil homens. Ele não sabia, mas iria encontrar uma força composta por 151 navios e 60.000 homens. Estavam prestes a protagonizar a maior batalha naval da história até então.


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Às 13h30 de 31 de maio, as frotas se aproximavam, nenhuma sabia da presença da outra. A Frota de Alto Mar tinha seguiu rigidamente o plano de Scheer, embora Hipper não tivesse certeza de que tivesse atraído a Marinha Real.

Jellicoe estava convencido de que não encontraria os alemães. Beatty estava atingindo o limite de sua varredura e logo viraria para o norte para encontrar a força de Jellicoe conforme planejado. Virou às 14h15.

Perto das 14h00, o cruzador ligeiro Elbing, no flanco ocidental do grupo de reconhecimento alemão, avistou a fumaça de um vapor dinamarquês, o N.J. Fjord, e dois torpedeiros foram enviados para investigar.

Quase ao mesmo tempo, o Comodoro E.S. Alexander-Sinclair, comandante do 1º Esquadrão de Cruzadores Leves Britânico a bordo do HMS Galatea, também avistou o navio dinamarquês e, acompanhado pelo cruzador HMS Phaeton, também foi investigar. Às 14h20, ambas as forças se avistaram e, às 14:28, o Galatea disparou as primeiras salvas da Batalha da Jutlândia.


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Da forma que ocorreu, este encontro casual foi um golpe de sorte para os alemães, pois os esquadrões de batalha de Jellicoe ainda estavam a 105 quilômetros ao norte.

Beatty e Hipper se viraram e rumaram na direção dos tiros, e às 15h20 as duas linhas de cruzadores de batalha estavam à vista uma da outra. Às 15:48, o capitânia de Hipper, o Lützow, abriu fogo; os britânicos responderam, mas a linha britânica sofreu bastante: o Lion, o Princess Royal e o Tiger foram atingidos diversas vezes. O Indefatigable afundou. O Queen Mary foi atingido no paiol principal e explodiu.

Enquanto isso, o 2º Esquadrão de Cruzadores Leves do Comodoro W.E. Goodenough, patrulhando ao sul da força de Beatty, avistou o corpo principal da Frota de Alto Mar. Beatty então tomou o rumo norte para atrair o inimigo para o resto da Grande Frota.


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O sinal de Goodenough foi esclarecedor para Jellicoe, mas faltavam detalhes importantes. Ele estava 40 milhas distante do grupo de Beatty, e não sabia onde estava a principal força alemã. Os couraçados de batalha de Jellicoe, navegando em seis colunas, tinham que mudar para formação de linha única antes da ação. O momento deste movimento era muito importante, e Jellicoe não podia executa-lo até que soubesse a posição e o curso do inimigo.

Antes das 18h, Jellicoe avistou os cruzadores de Beatty. A visibilidade piorava rapidamente, e as 18:14 Jellicoe recebeu a informação que precisava. imediatamente ordenou que a frota principal se posicionasse, cortando a linha de retirada de Scheer. Foi uma decisão tomada com rapidez, e acabou se revelando a decisão mais importante da batalha. O bordo da linha inteira de Jellicoe poderia disparar contra aos alemães, que só podiam responder com as armas de vante de seus navios. Foi um momento de triunfo para Jellicoe, e uma enorme ameaça para Scheer.

Às 18h36, Scheer ordenou a retirada de seus navios, e, enquanto os couraçados e cruzadores se distanciavam, os torpedeiros criaram cortinas de fumaça como cobertura. Com a fumaça pairando, a visibilidade piorou muito, e, às 18h45, Jellicoe perdeu o contato com os alemães. No entanto, a situação mais temida por Scheer persistia, ou seja, a Grande Frota ainda estava entre ele e os portos alemães.


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Às 18h55 ele girou novamente na esperança de passar pela popa da linha britânica. Mas isso não funcionou, e pouco depois das 19h00 ele se encontrou em posição ainda pior, com seus principais navios novamente sob pesado bombardeio. Ele então enviou os torpedeiros e cruzadores de batalha a uma carga suicida, sacrificando-os numa ação para dar tempo para que seus couraçados escapassem.

Se Jellicoe tivesse seguido os alemães naquele momento, poderia ter destruído totalmente a Frota de Alto Mar. Porém ele superestimou o perigo de um ataque de torpedo e ordenou uma virada, e com isso as duas frotas de couraçados se afastaram a mais de 20 nós.

Quem venceu a batalha? Até hoje, não há consenso entre os historiadores. Jellicoe não obteve uma vitória acachapante, e a opinião pública na Inglaterra se desapontou, pois esperava uma vitória que fosse comparável à de Nelson em Trafalgar.


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Apesar da superioridade britânica – e das equações matemáticas de Lanchester – a superioridade numérica acabou abalada pela capacidade de encaixe dos mais modernos navios alemães.

Do lado alemão, inicialmente o Kaiser exultou com o anúncio de uma vitória, considerando que a Frota de Alto Mar perdeu 11 navios e 2.500 homens, contra 14 navios e 6.000 homens dos britânicos. Os alemães perderam uma tonelagem muito menor (60 mil toneladas contra 111 mil dos britânicos).

Hoje, tende-se a considerar que foi uma vitória estratégica dos britânicos: não destruíram a Frota de Alto Mar e perderam mais navios do que os alemães; no entanto, mantiveram o controle do Mar do Norte e os alemães limitaram-se a ações submarinas, de certa forma mantendo sua frota de superfície na retaguarda.


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Uma visão mais recente é que a Batalha da Jutlândia mostrou a irrelevância do couraçado frente ao desenvolvimento de novas tecnologias. Apesar de muitos terem sido construídos no período entre guerras, historiadores argumentam que isso se deveu a escolhas tecnológicas que visavam preservar paradigmas tradicionais da guerra naval.

O fato é que os couraçados desempenharam um papel quase secundário na Segunda Guerra Mundial, quando os submarinos e os porta-aviões se destacaram como as armas dominantes da guerra naval.


Tabela


Algumas curiosidades

• Winston Churchill, que foi Primeiro Lorde do Almirantado até 1915 (posição que perdeu devido a seus fracassos na campanha naval dos Dardanelos e de Galipoli), declarou mais tarde que Jellicoe era “o único homem de qualquer dos lados que poderia perder a guerra em uma tarde.”

• O então jovem tenente Hans Langsdorff recebeu uma Cruz de Ferro de 2ª Classe por sua bravura na Batalha da Jutlândia. Durante a Segunda Guerra Mundial, Langsdorff viria a comandar o famoso couraçado-de-bolso Admiral Graf Spee, terminando por suicidar-se em Buenos Aires depois do episódio da Batalha do Rio da Prata.

• A aviação naval engatinhava, e o HMS Engadine, uma balsa que operava no Canal da Mancha, foi adaptada para lançar e recuperar hidroaviões usados para reconhecimento e bombardeio. Participou da Batalha da Jutlândia, e uma de suas aeronaves, um hidroavião Type 184, pilotado pelo Tenente Frederick Rutland com o Comissário-assistente G. S. Trewin como observador, realizou a primeira missão de reconhecimento por um aparelho mais pesado que o ar numa batalha naval.

 


*Albert Caballé Marimón é fotógrafo profissional e editor do Blog Velho General. Atua na cobertura de eventos com experiências tais como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida em Roraima. É colaborador do Canal Arte da Guerra e da revista Tecnologia & Defesa. E-mail: caballe@gmail.com.


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